Contrarreforma da Previdência: as consequências destrutivas do fatídico 10 de julho

Por Elaine Behring*

Originalmente publicado por Esquerda Online, em 11 de julho de 2019

No mesmo difícil dia 10 de julho de 2019, em que perdemos importantes vozes dissonantes em relação ao “coro dos contentes”, como o grande Francisco de Oliveira e o afiado Paulo Henrique Amorim, a Câmara dos Deputados aprovou por 379 votos contra 131 da oposição, o texto base do relator da “reforma” da previdência. Trata-se de mais um capítulo trágico – do ponto de vista da classe trabalhadora – do golpe de Estado de novo tipo de 2016, onde as instituições “funcionam”, porém, cada vez mais apartadas das maiorias, conforme aponta Felipe Demier, que em sua coluna no EOL onde hoje comenta esse aspecto e a dimensão política dos acontecimentos. Arvorando-se em representantes da vontade nacional, a maioria dos deputados, inclusive segmentos minoritários de partidos com posições contrárias, a exemplo do PDT e do PSB, e com o apoio de governadores petistas, apesar da posição contrária  do partido que foi seguida por todos os seus parlamentares, a maioria dos deputados não escutou a voz majoritária das ruas. Se não damos ouvidos às manipulações de dados da grande mídia – que ademais fala em déficit da previdência há 30 anos embora ele não exista – é possível afirmar que as manifestações nas ruas disseram não à contrarreforma. Que crescem as vaias a este projeto mesmo entre os que conseguiram pagar os caríssimos ingressos para a final da Copa América. Contudo, esses deputados optaram por dar voz ao verde-amarelismo tacanho, que defende medidas contra si mesmo, que não compreende o significado da contrarreforma, segundo o Datafolha mas a apoia na esteira do disseminado discurso da “salvação nacional”. Uma escolha, claro, regada à liberação de cerca de 40 milhões para cada deputado em emendas parlamentares, ou seja, desenhada pela velha, caquética política, tendo à frente Rodrigo Maia, o mais novo queridinho da mídia brasileira, em busca desesperada de uma liderança menos bizarra que a família “outsider” no poder, e mais confiável do núcleo duro da burguesia brasileira para as próximas eleições.

Nosso enfoque aqui é sobre o que estamos perdendo com a votação de ontem, quem vai pagar esta conta de forma mais dura, e quem está ganhando com esse que, junto à contrarreforma trabalhista e a Emenda Constitucional 95 – conhecida como a EC do Fim do Mundo – representam os mais draconianos ataques às condições de vida e de trabalho das maiorias no Brasil recente. Ademais são políticas intimamente relacionadas e que prometeram a mítica retomada do crescimento, à custa da expropriação de milhões de trabalhadores(as). Mais uma vez estão socializando os custos da crise, com promessas que não serão cumpridas, mas com medidas que locupletarão os banquetes dos ricos.

Seguridade Social: uma espécie de Geni no âmbito do ajuste fiscal permanente

A luta pela redemocratização do país emplacou o conceito constitucional de seguridade social no Brasil, em 1988, com mais de 40 anos de atraso em relação às suas primeiras formulações, e à brasileira – com uma cobertura bem mais restrita de direitos. Mesmo assim, desde o dia seguinte, a começar pela derrota política nas eleições de 1989 com a eleição de Collor, foram 31 anos de ataques sistemáticos ao conceito de seguridade social, aos direitos de previdência social, saúde, assistência social e trabalho ali previstos, e destacadamente, ao seu financiamento. Por isso é tentador lembrar do refrão buarqueano: “joga pedra na Geni, joga bosta na Geni, ela é feita para apanhar, ela é boa de cuspir” (Geni e o Zepellin, Chico Buarque).

Se Collor não era o condottiere ideal e teve vida curta, FHC assumiu o timão da nave nacional com o Plano Real em 1994, de controle da inflação e estabilização econômica, e na sequência, foi eleito presidente, lançando, em 1995, o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE/MARE), um documento a nosso ver orientador de todo o período da redemocratização e de ajuste fiscal permanente. O PDRE abria afirmando que a Constituição é perdulária, rígida e falando da necessidade urgente da “reforma da previdência”. Não existe em suas linhas qualquer referência à seguridade social. Desde então, houve no país várias iniciativas de contrarreformas da previdência – todas culpabilizando esta importante política social pelas dificuldades econômicas e pela “crise do Estado” e “desequilíbrio fiscal”: com FHC, em 1998, atacando o Regime Geral; com Lula em 2003, atacando os Regimes dos Servidores Públicos; com Dilma, atacando as pensões e o seguro-desemprego e estimulando os fundos de pensões fechados para servidores públicos. Houve uma tentativa derrotada, com a PEC 241 de Temer, após a greve geral de 28 de abril de 2017 quando os trabalhadores diziam “reaja agora ou morra trabalhando”. Ali Temer foi obrigado a “criar” a intervenção militar no Rio de Janeiro para não assumir sua derrota.

O fato é que há um repetido argumento, desde 1995, de governos com matizes diferentes: o país está quebrado e a crise é do Estado, produzida pelo “déficit da previdência”. Há jovens de hoje que nasceram escutando esse mantra, e não conseguem compreender que nunca irão se aposentar. A título de exemplo, Carlos Alberto Sardemberg, uma das “autoridades” econômicas da Rede Globo e da CBN,  reivindica os dados de um estudo do Instituto Millenium, um aparelho privado de hegemonia da direita liberal, que tenta nos convencer que a previdência ocupa 54,7% dos gastos do governo federal (disponível desde 7 de maio na página da entidade). No entanto, nossos estudos orçamentários (GOPSS/UERJ, GESST/UnB e ANFIP, dentre outros)  mostram que a previdência social é o segundo item de gasto do governo federal após o pagamento de juros, encargos e amortizações da dívida pública que obstinadamente não entram nessa conta enviesada dos liberais, onde estão apenas os gastos primários do governo federal. E mostram mais: que a seguridade social conseguiria arrecadar e custear seus gastos (que ademais geram renda, consumo e tributos pelo país), se não fossem figuras do ajuste neoliberal como a Desvinculação de Receitas da União, que hoje retira 30% do Orçamento da Seguridade Social, o Superávit Primário alimentado pela DRU, e as isenções fiscais sobre as fontes da Seguridade Social, com destaque para a COFINS, para segmentos determinados.

Portanto, não houve e não há déficit da previdência. O que temos é um ajuste fiscal draconiano que tem relação com a EC 95, para canalizar recursos para o pagamento de juros, encargos e amortizações da dívida pública, este sim o primeiro item de gasto do OGU, no mesmo passo da leniência fiscal para com o empresariado brasileiro que deve à previdência mais de 500 bilhões de reais. Mas existe algo mais, subjacente à contrarreforma: o “olho grande” nos recursos que a seguridade social mobiliza, tendo em vista sua apropriação pelo capital, especialmente pelas instituições financeiras, diga-se, jogar parte dos trabalhadores no mercado de capitais por meio da capitalização. Esta medida foi retirada do relatório que foi votado ontem, num recuo que consideramos importante e que foi resultado da luta, que conseguiu mostrar sua perversidade gerando um incômodo real entre os parlamentares. Mas há um acordo com o ultraliberal pinochetista Paulo Guedes – interessado direto na matéria, dada sua íntima relação com os bancos (o BTG-Pactual) – de retomá-la adiante, pelo que precisaremos estar atentas(os). Também foram retirados do texto-base o ataque à aposentadoria rural e ao Benefício de Prestação Continuada para idosos, que já identificávamos como “bodes na sala” para a negociação. Mas é preciso dizer: esses elementos não tornam o texto-base da contrarreforma aprovada ontem menos covarde, já que seu núcleo duro está mantido e constitui uma imensa derrota para a classe trabalhadora brasileira. Senão vejamos.

A contrarreforma da Previdência de 10 de julho de 2019: covardia e manutenção de privilégios

Vou comentar alguns aspectos do texto aprovado. O mais violento ataque sofrido pelos trabalhadores, especialmente para os jovens a ingressarem no Regime Geral da previdência, é a combinação entre idade mínima – 65 anos para homens e 62 para as mulheres – e o tempo de contribuição mínimo de 15 anos para mulheres e 20 para os homens. Apenas com 40 anos de contribuição um trabalhador poderá receber o teto a que tem direito, e claro, limitado pelo teto baixo da previdência social brasileira (hoje em torno de R$ 5,8 mil – 5,6 SM). O cálculo da aposentadoria será pela média do tempo de contribuição, com tendência a baixar o valor final da aposentadoria. Pensionistas receberão 50% da pensão a que teriam direito, mais 10% por dependente até sua emancipação, numa medida que atinge especialmente as mulheres trabalhadoras. No caso da aposentadoria por invalidez, exceto acidentes de trabalho e quem recebe apenas um salário mínimo, ela se reduz a 60% do que seria hoje o direito do(a) trabalhador(a).

Pensamos que este é um processo claro de expropriação dos meios de vida dos trabalhadores, e que vai gerar um generalizado e ainda mais ampliado que hoje, contexto de empobrecimento da população no médio prazo.  Estamos num país onde a taxa de subutilização da força de trabalho, segundo o IBGE é hoje de 25%, a maior desde 2012. Isso representa um grupo de 28,3 milhões de pessoas que reúne os desocupados, os subocupados com menos de 40 horas semanais, e os que estão disponíveis para trabalhar, mas não conseguem procurar emprego por motivos diversos. Há ainda cerca de 4,9 milhões de pessoas em situação de desalento e assim chegamos a espantosa cifra total de 33,2 milhões de pessoas aptas ao trabalho e que não o encontram. A taxa de rotatividade no mercado de trabalho brasileiro alcançou 62,8%, em 2014. Entre 2003 e 2007, o índice ficou na média de 54% no segmento de celetistas (trabalhadores com carteira assinada), e passou por uma elevação em anos recentes, e chegou a 63% entre 2008 e 2014. Os setores mais afetados pelas altas taxas de rotatividade são a agricultura e pecuária, a construção civil e o comércio. São setores cujas características próprias da atividade econômica incidem nessa questão, seja por estarem atreladas a aspectos sazonais ou por causa da dinâmica de produção, como é o caso da Construção Civil, com trabalhadores alocados em obras por prazo determinado.

A pergunta óbvia é: como sustentar de 15/20 a 40 anos de contribuição para o direito à aposentadoria, cruzando com a idade, com essas taxas de desemprego e rotatividade? O drama para os trabalhadores se amplia com a contrarreforma trabalhista, que ampliou a precarização no emprego e não gerou empregos em detrimento dos discursos apologéticos à época. Na verdade, esta última veio para facilitar a rotatividade e forçar os trabalhadores a aceitarem qualquer trabalho para a máxima extração de mais-valor, ou o que a CNI chamava de “alívio das empresas” (Cf. o artigo “A ‘reforma’ trabalhista gerou os efeitos pretendidos” de Jorge Luiz Souto Maior, Procurador do Trabalho).

A contraface dessas propostas foi dar de presente aos ruralistas, no mesmo relatório, o perdão de dívidas bilionárias, ou seja, tem-se aí o banquete dos ricos.

A Contrarreforma da Previdência é racista

O conjunto CFESS/CRESS, organização política das(os) Assistentes Sociais brasileiras(os) lançou uma campanha de combate ao racismo no Brasil e que neste ano de 2019 teve o seguinte mote: “regressão de direitos tem classe e cor, assistentes sociais no combate ao racismo”. Subscrevendo e dialogando com essa campanha, sustentamos que a contrarreforma da previdência reforça o racismo no Brasil, considerando que os setores mais atingidos serão os trabalhadores(as) pobres e negros(as). É uma contrarreforma conduzida de forma misógina e racista, porque na classe esses – mulheres e negros(as) – serão os setores mais atingidos.

Recentemente o atual Presidente da República deu na TV uma declaração emblemática: “racismo é coisa rara no Brasil”. Porém, se foi a primeira fala sobre este assunto no cargo em que ocupa hoje, esta não foi sua primeira fala pública. Vejamos mais algumas: em conhecido discurso de ódio contra os negros Quilombolas e indígenas no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, Bolsonaro afirmou que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”, referindo-se à um negro Quilombola como um senhor de escravos referia-se durante a época da escravização; perguntado por Preta Gil o que faria se seu filho se casasse com uma mulher negra, afirmou que seu filho “foi bem-criado”;  e disse ainda ao Jornal Estado de São Paulo: “Eu não entraria em um avião pilotado por um cotista nem aceitaria ser operado por um médico cotista”.  Portanto, não se trata de mais uma bizarrice “politicamente incorreta” para ganhar espaço polêmico de mídia. Pelo lugar à que foi levado por 57,8 milhões de votantes (contra os 47 milhões de Haddad, 10 milhões de brancos e nulos e 31 milhões de abstenções), se trata de uma lógica classista e racista de governo, no poder, na gestão e direção do Estado brasileiro, com impactos sérios sobre a maioria da população brasileira, a exemplo da contrarreforma da previdência.

Vejamos, para finalizar nossa reflexão sobre o fatídico dia 10 de julho de 2019, alguns aspectos da desigualdade brasileira e que articulam a condição de classe e raça. Os dados que eu passo a expor vem das pesquisas PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Antes de prosseguir quero reiterar que a defesa do IBGE e de um Censo 2020 que nos coloque diante de nós mesmos é absolutamente central. O desmonte do IBGE faz parte deste projeto de ataque à razão, à ciência e ao conhecimento, o que envolve também a universidade. Mas, voltemos aos dados do IBGE para sustentar o caráter também racista e misógino desta contrarreforma da previdência.

Ainda sobre Trabalho e renda, a PNAD Contínua de 2017 mostrou que há forte desigualdade na renda média do trabalho no Brasil: R$ 1.570 para negros, R$ 1.606 para pardos e R$ 2.814 para brancos. Reparem que os valores estão muito abaixo do teto da previdência (que repetimos, é muito baixo) e que com os impactos da contrarreforma irá diminuir ainda mais a renda de pretos(as) e pardos(as). O desemprego, já referido anteriormente, também é fator de desigualdade intraclasse: a PNAD Contínua do 3º trimestre de 2018 registrou um desemprego mais alto entre pardos (13,8%) e pretos (14,6%) do que na média da população (11,9%). Vale lembrar que o desemprego da média da população brasileira cresceu nos primeiros meses de 2019, alcançando 12,7% da População Economicamente Ativa.

O acesso à educação no país também é desigual, incidindo sobre as condições de empregabilidade e acesso à previdência social. A taxa de analfabetismo no Brasil é mais que o dobro entre pretos e pardos (9,9%) do que entre brancos (4,2%), de acordo com a PNAD Contínua de 2016. Quando se fala no acesso ao ensino superior, de acordo com a PNAD Contínua de 2017, a porcentagem de brancos com 25 anos ou mais que tem ensino superior completo é de 22,9%. É mais que o dobro da porcentagem de pretos e pardos com diploma: 9,3%. E ainda tem deputado estadual no Rio de janeiro querendo acabar com a política de cotas, o mesmo que quebrou a placa em homenagem à Marielle Franco! Já a média de anos de estudo para pessoas de 15 anos ou mais é de 8,7 anos para pretos e pardos e de 10,3 anos para brancos.

Dados também da PNAD, de 2015, mostram que apesar dos negros e pardos representarem 54% da população na época, a sua participação no grupo dos 10% mais pobres era muito maior: 75%. Ou seja, a classe trabalhadora em seus extratos mais pauperizados é negra. Nessa amostra de 2015, tem-se que no grupo do 1% mais rico da população, a porcentagem de negros e pardos era de apenas 17,8%.  A informalidade atingia 48,3% da população negra contra 34,2% da população branca. O cruzamento desses dados com a o indicador sexo, nos leva à situação dramática das mulheres negras com as piores colocações em todos esses indicadores sociais.

Estes são dados que mostram, ao nosso ver, a desigualdade de condições intraclasse trabalhadora para inserção no mercado de trabalho no país, o que irá incidir no acesso também desigual à previdência social. Assim a contrarreforma atinge a classe trabalhadora na sua totalidade, mas de forma particular aos negros e negras e mulheres de uma forma geral.

Para fechar, abrindo… 

Escrevemos essas linhas sob o impacto do dia 10 de julho, quando nos foi imposta uma derrota importante na esteira de outras, a principal, a extrema-direita ultraliberal erigida a governo do país. Temos reagido e lentamente há um processo de desgaste precoce do governo. Mas sabemos que mal saímos das cordas, como lucidamente disse Guilherme Boulos recentemente. Há muita luta pela frente, e se trata de luta de classes, num contexto defensivo. O inventário de perdas e danos ainda vai merecer outros textos e reflexões, mais maturadas. Sabemos que elementos importantes ficaram de fora desta elaboração inicial. No entanto, não quis deixar passar o calor dos acontecimentos, porque dar elementos para a luta é fundamental e ela vai continuar. A convite de Valério Arcary, não vamos esmorecer. A luta nos chama, essa que foi ainda insuficiente para o tamanho da tarefa, mas que está acontecendo, num desgaste cotidiano deste projeto destrutivo. Não subestimemos o recuo da capitalização da previdência social, nem tampouco nossa derrota no dia de ontem. E sigamos, persistentes.

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*Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002). Foi presidente da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), na gestão 2009-2010 e do Conselho Federal de Serviço Social (1999-2002). É professora associada da UERJ, na Faculdade de Serviço Social, onde coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas do Orçamento Público e da Seguridade Social (GOPSS), e o Centro de Estudos Octavio Ianni (CEOI). Tem publicações na área de política social, orçamento público, fundo público e serviço social.

 

A quem interessa aumentar a desigualdade?

Por Thomas Piketty e outros

Originalmente publicado por Valor Econômico, em 11 de julho de 2019

O Brasil discute uma reforma da previdência que tende a aumentar desigualdades, embora sua propaganda aluda ao combate de privilégios. O país também se prepara para debater uma reforma tributária de modo independente da previdência. Se a redução das desigualdades fosse finalidade das reformas, as mudanças na previdência deveriam ser outras. E ambas as reformas deveriam ser debatidas conjuntamente.

A reforma da previdência proposta aumenta muito a desigualdade de acesso à aposentadoria. Muitos brasileiros pobres começam a trabalhar muito cedo, mas não conseguem contribuir pelos 20 anos exigidos para obter a aposentadoria parcial, para não falar dos 40 anos para a aposentadoria integral.

Nas regras atuais, a primeira alternativa para aposentadoria é somar um tempo mínimo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 para homens) com sua idade para alcançar um período de 86 anos para mulheres e 96 para homens, que aumentará a cada dois anos até chegar à soma 90/100 em 2027. A segunda opção é alcançar a idade mínima de 60 anos para mulheres e 65 para homens, com pelo menos 15 anos de contribuição. A desvantagem é o desconto do valor da aposentadoria pelo “fator previdenciário” que varia com a idade, o tempo de contribuição e a expectativa de sobrevida.

A proposta atual elimina a primeira opção. Aumenta a idade mínima feminina para 62 anos (com os mesmos 15 anos de contribuição) e mantem 65 anos para homens, mas exige 20 anos de contribuição. Também reduz a aposentadoria integral (obtida com 40 anos de contribuição) e aumenta o desconto da aposentadoria parcial (entre 20 e 39 anos de contribuição).

O problema é que os cidadãos que só conseguem se aposentar hoje por idade são trabalhadores precários que estão longe de alcançar o tempo de contribuição e idade exigidos nas novas regras: 56,6% dos homens e 74,82% das mulheres não alcançam. Em média os homens só conseguem contribuir 5,1 vezes por ano, e as mulheres 4,7 vezes, segundo estudo de Denise Gentil (UFRJ) e Claudio Puty (UFPA) para a Anfip.

Se precisarem contribuir mais 60 meses, supondo que continuem empregados e consigam contribuir no mesmo ritmo na velhice (o que é uma proposição absurda), a idade mínima real de aposentadoria parcial seria 74,8 anos para mulheres e 76,8 para homens, na média. Na prática, milhões não chegariam a se aposentar ou, com “sorte”, seriam transferidos para a assistência social, mas suas contribuições não seriam nem devolvidas.

Como são trabalhadores em empregos precários, aumentar seu tempo de contribuição não significa combater privilégios, mas aumentar a desigualdade. Significa retirar recursos de muitos trabalhadores pobres e vulneráveis que não conseguirão se aposentar.

De nada adianta reduzir a alíquota mensal de contribuição para os pobres se a contribuição se alonga por mais 60 meses e, no fim, nem garante a aposentadoria. O incentivo é para que não contribuam, o que coloca em risco até o pagamento das atuais aposentadorias.

O risco ao sistema advém igualmente do fim da contribuição fiscal dos empregadores, como a Cofins e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Com o PIS-Pasep, somam cerca de metade das receitas da Seguridade Social.

A proposta atual retira as contribuições fiscais do financiamento das aposentadorias (mantendo-as na Seguridade). O financiamento tripartite da aposentadoria acabaria, no sentido em que a reforma deixaria apenas o contrato de trabalho formalizado entre o trabalhador e seu empregador como fonte de recursos (através da contribuição previdenciária sobre a folha salarial).

Isto tudo provavelmente já inviabilizaria o sistema, mas para completar o governo Bolsonaro promete reforma tributária que libera o empregador de contribuir para a Previdência com uma percentagem da folha salarial, além de abolir a Cofins e a CSLL.

Em um país tão desigual, deixar apenas os trabalhadores e, a depender da reforma tributária, talvez os empresários como responsáveis por um sistema contributivo de aposentadoria é condená-lo, especialmente nas circunstâncias atuais. A crise e o desemprego levaram 6,2 milhões de trabalhadores e milhares de empresas a deixaram de contribuir para o sistema, contraindo as receitas em cerca de R$ 230 bilhões entre 2014 e 2017 em termos reais.

Para completar, o desvio das contribuições sociais da Seguridade Social para o Tesouro aumentou de 20% para 30% em 2016, saltando da média de R$ 63,4 bilhões entre 2013-2015 para nada menos que R$ 113 bilhões em 2017.

Foi a crise econômica que contribuiu para o déficit, e não o contrário. Quando a crise for superada, porém, não é provável que as receitas se recuperem o suficiente caso o emprego do futuro venha sem contribuição empresarial sobre a folha salarial.

Se, como hoje, a solução proposta para a insuficiência de receitas no futuro for elevar de novo a idade mínima, a alíquota média e o tempo de contribuição, qual segurança jurídica terão os trabalhadores para serem incentivados a contribuir para a previdência pública mesmo que tenham empregos estáveis?

Em suma, trabalhadores com emprego e renda precários não terão capacidade de alcançar o tempo de contribuição requerido para se aposentar, enquanto trabalhadores com emprego estável e maior renda não terão incentivos para contribuir para um sistema insustentável.

É por isso que, se o objetivo for realmente combater privilégios e reduzir desigualdades, a proposta deveria, primeiro, explicar em detalhe as projeções atuariais e demográficas que justificam atrasar e até inviabilizar a aposentadoria de milhões de brasileiros pobres.

Segundo, deveria focar no topo do funcionalismo público e não nos trabalhadores pobres e precários. Nas projeções do governo para a proposta original, no entanto, a suposta “justiça fiscal” com o aumento das alíquotas de contribuições de funcionários públicos representa 1% da economia, enquanto 91% (R$ 4,1 trilhões em 20 anos) viria da assistência social e do regime geral, onde 90% dos aposentados recebem até 2 salários mínimos.

Terceiro, a reforma previdenciária deve ser necessariamente complementada pela reforma tributária, mantendo o financiamento tripartite da Previdência, mas combatendo os privilégios na tributação. Afinal, o Brasil parece um paraíso fiscal para detentores de capital e para a elite de profissionais de alta renda.

Quase metade da receita de impostos (49,19% em média entre 2008 e 2017) vem embutida em bens e serviços que não distinguem o consumidor miserável do endinheirado. Como o pobre consome tudo ou quase tudo o que ganha, paga proporcionalmente mais impostos que o rico.

Por sua vez, a alíquota máxima do imposto de renda (27,5%) captura tanto o assalariado de R$ 5 mil quanto o de R$ 10 milhões. Já o detentor do capital simplesmente não paga imposto pessoal sobre sua renda em lucros e dividendos. Profissionais que prestam serviços como pessoas jurídicas têm o mesmo privilégio. Outra jabuticaba brasileira é que as empresas deduzem o “pagamento” de juros sobre seu “capital próprio”, o que aumenta os lucros distribuídos sem impostos.

Combater estes privilégios pode levantar bem mais de R$ 100 bilhões ao ano como quer o governo. Ademais, a sonegação se aproximou de R$ 620 bilhões em 2018, segundo nova estimativa do Sinprofaz. Isto é muito mais que a economia com o corte de aposentadorias e pensões proposto pelo governo Bolsonaro. Isto sem falar de outras isenções e das dívidas tributárias.

Ainda é tempo de debater com honestidade como combater privilégios e reduzir desigualdades. Porém, levar adiante a reforma da previdência nos termos atuais tornaria o Brasil um exemplo mundial de como destruir um sistema solidário de previdência e aumentar a desigualdade.

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Thomas Piketty é diretor da l´Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS) e professor da Paris School of Economics (PSE).

Marc Morgan e Amory Gethin são pesquisadores do World Inequality Lab da PSE.

Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor do IE-Unicamp e pesquisador do Cecon-Unicamp.

Depois do crime: a morte da aposentadoria no Brasil

Felipe Demier*

Originalmente publicado por Esquerda Online, em 12 de julho de 2019

Então erguerão suas mãos
Dizendo atendemos todas suas exigências
Mas gritaremos de bombordo
Que seus dias estão contados
E como a tribo do Faraó
Eles se afogarão numa onda
E como Golias, eles serão conquistados

(Bob Dylan em “When the ship comes in”)

Hoje é um dia triste. E muitos outros assim o serão desde a noite de ontem. O futuro não é mais como era antigamente. A aposentadoria nas terras brasileiras foi, na prática, extinta. A solidariedade foi derrotada, e o foi, quase sem luta, quase sem resistência, quase sem solidariedade. Hoje, amanhã e depois, trabalhadores e trabalhadoras estarão de luto, e o farão não apenas por si, mas também por seus antepassados, cuja conquista lhes foi sordidamente subtraída, assim como por seus filhos, netos e bisnetos, condenados a um dos piores castigos bíblicos: labutar até a morte. Sem descanso, sem dignidade, sem nada.

Depois de um suborno de proporções oceânicas, eufemisticamente chamado nos canais abertos e fechados de televisão pelo nome de “liberação de emendas parlamentares”, a Câmara dos Deputados aprovou, na noite de ontem, a contrarreforma da Previdência. Às turras nos últimos meses, governo e burguesia certamente tiveram uma longa noite de amor, depois, claro, do estupro coletivo praticado mais cedo contra aqueles que vivem ou tentam viver da venda de sua força de trabalho em um país que segue celeremente caminhando para o caos. Na noite de ontem, a noite do crime, a noite dos culpados sem culpa, o crime não só ficou livre do castigo, como certamente foi motivo de orgulho. Nessa idílica noite de 10 de julho de 2019, a burguesia ilustrada e a tosca, os empresários de dinheiro “limpo” e os empreendedores de dinheiro sujo, os homens de grande fortuna e os homens de bem, as famílias endinheiradas e os defensores da família, os nobres militares e os plebeus milicianos, os inocentes do Leblon e os culpados da Muzema, os moradores do Jardim Pernambuco e os das Vivendas da Barra, os habitantes de Angoulême e os de Houmeau, os de berço e os parvenus, os tradicionais e os togados, a Folha e o Antagonista, a Globo e a Record, os Bonners e os Bolsonaros, os Mervais e os Olavos, os Camarottis e os reis dos camarote, os boiardos e os bobos da corte, os defensores da mão invisível e os crentes na Terra plana, os amantes do mercado e os do macarthismo, enfim, a alta e a lumpemburguesia, todos eufóricos, se congraçaram, se embebedaram, se refestelaram e, em uníssono, gritaram: conseguimos!

Por mais que, em meio às libações nas redações, a imprensa do capital e seus ideólogos se esmerem em edulcorar o fato, em apresentar a lama como se fosse água límpida, em transformar retoricamente a praga em benção – para lembrarmos Goethe –, nada poderá esconder o que foi feito ontem à noite, a saber, a extinção sumária, por trezentos e setenta e nove sujeitos vis e venais, da aposentadoria no Brasil. Ela não existe mais. Ela se foi, ou melhor, foi morta. Covardemente. Hoje, os homens do Parlamento estão em festa, e os da praça, desanimados. Hoje o presidente está exultante, e o povo, resignado. Hoje eles riem, e nós, choramos. Hoje só dá deles, como se diz no jargão popular.

No entanto, por mais que aos olhos da Casa Grande, tudo agora pareça, tal como à balzaquiana Sra. de Bargeot, sublime, extraordinário, divino e maravilhoso, amanhã, mesmo que esse amanhã demore um pouco, será outro dia, já cantou, faz tempo, o poeta. A desfaçatez foi de tal monta que não há como não produzir revolta na Senzala, mesmo que demore, mesmo que demore um pouco. As consequências virão, e nós temos que, pacientemente, saber fazê-las vir. Os gritos dos chicoteados podem estar contidos, mas serão soltos, e serão altos. O silêncio de hoje precede o trovão de amanhã. A tempestade virá, e sobre eles cairá. Rodrigo Maia e consortes podem elucubrar se o congresso deve ou não deve ouvir o povo; politólogos de plantão podem, sorridentes, comentar que, com a aprovação da contrarreforma previdenciária, congresso e sociedade finalmente se irmanaram, tendo o primeiro, corajosamente, expressado a voz da segunda, fortalecendo, assim, a nossa bela democracia. A verdade, porém, é que, ao exterminar a aposentadoria dos trabalhadores, a Câmara dos Deputados apenas confirmou cabalmente o fato de que, desde o Golpe de 2016 e das farsescas eleições de 2018, ela se transformou, de um “corpo de parlamentares livremente eleitos pelo povo, em parlamento usurpador de uma classe”, reconhecendo, mais uma vez, “que cortara”, ela mesmo, e de uma vez por todas, “os músculos que ligavam a cabeça parlamentar ao corpo da nação”. (1) Depois do crime, depois da noite criminosa de ontem, o congresso brasileiro e o presidente da República se sentem fortes, gigantes e invencíveis. Com seu orgulho filisteu, eles se veem como Golias, e nos olham soberbamente como este olhou Davi. No entanto, o que essas instituições blindadas fizeram ontem à noite não foi senão exibir orgulhosamente seu total apartamento do povo, sua separação por completo da vontade popular, expondo, assim, sua fragilidade estrutural. Com o crime de ontem, selaram seu destino, assinando, sem sequer saber, sua sentença de morte histórica, a qual, pelos mesmos que hoje choram, será, em breve, executada. Sem piedade.

 

NOTAS

1 MARX, K. O 18 brumário de Luís Bonaparte [e Cartas a Kugelman]. Tradução de Leandro Konder e Renato Guimarães. 4ª edição. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1978, p. 106.

*Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

Fim da solidariedade e do espírito social na Previdência brasileira

Por Marcus Orione*

Originalmente publicado por Folha de São Paulo, em 11 de julho de 2019

É o fim da Previdência Social no Brasil. O projeto de reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro já significava o término de um sistema que protege milhões de pessoas —e mesmo com as alterações no Congresso isto não deixará de ocorrer.

Ainda que com suas insuficiências, a atual Previdência atende com uma proteção social mínima —em especial nas regiões mais pobres— idosos, doentes, desempregados.

Enfim, pessoas que contribuem e, diante de contingências como idade avançada e doença, por exemplo, são afastadas do mercado, necessitando da proteção previdenciária.

O projeto tinha três bases: capitalização; retirada das futuras reformas, em questões fundamentais, da Constituição; e severa diminuição de direitos.

As duas primeiras foram afastadas pelo Congresso, e a última permaneceu, ainda que com pequenas variações.

A nossa Previdência pública é montada na solidariedade social. Quem está recebendo benefícios hoje depende da contribuição dos que estão trabalhando —que receberão a partir dos recolhimentos futuros.

Uma maneira de destruição da Previdência Social era exatamente o regime de capitalização. Nesse, o dinheiro deixaria de ser gerido pelo poder público e passaria a ser tratado na perspectiva de investimento por instituições bancárias.

Como teríamos de continuar pagando os benefícios de quem já está aposentado, o Estado (leia-se, todos nós) teria um prejuízo, para essa passagem, estimada pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, em R$ 1 trilhão.

A forma de se fazer a passagem era economizar, diminuindo direitos, nos benefícios de quem estivesse recebendo e de quem receberia, até o último segurado que permanecesse na Previdência pública.

Retirada a capitalização (que passa a impressão de ter sido o bode posto na sala de negociações), nada justificaria a manutenção da radical diminuição de direitos em valor excessivamente superior ao suposto déficit atual.

Não foi o que aconteceu. Mesmo com suas modificações, o projeto continuou a atingir drasticamente a situação de trabalhadores e trabalhadoras diversos, provocando a maior redução de direitos já vista em nossa história.

Dificulta o acesso a benefícios previdenciários e diminui alguns de seus valores. Atinge até mesmo a assistência social —aquela destinada às camadas mais vulneráveis da população—, incluindo critério oneroso, já afastado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), para a concessão de benefício assistencial.

Os privilégios de alguns foram mantidos, os pobres punidos.

E como se dará o fim gradual da proteção previdenciária no Brasil?

Simples. A reforma prevê condições para a obtenção de benefícios (relacionadas à contribuição e à idade) que serão impossíveis de serem atendidas pelos trabalhadores e trabalhadoras em geral, o que é agravado pela reforma trabalhista, que generalizou o acesso a trabalhos instáveis, dificultando a continuidade da vida contributiva.

Ao lado disso, o governo conseguiu a edição de lei supostamente destinada ao combate de fraudes. No entanto, ali foram inseridas normas que criaram prazos que dificultam o trabalhador da iniciativa privada a obter benefícios ou a permanecer sob a proteção previdenciária.

Somada esta lei às novas disposições constitucionais, será, no futuro, praticamente impossível a obtenção ou manutenção de benefícios.

Teremos, enfim, um sistema em que as pessoas pagarão contribuições, mas dificilmente elas acessarão os benefícios.

E mais: teremos de fazer outra reforma diminutiva de direitos de quem ainda está recebendo —já que não haverá, para mantê-los, contribuições suficientes, em vista da drástica redução de postos de trabalho formais e da possibilidade, não afastada, de isenções para as empresas de contribuições.

Certamente não teremos problemas com as futuras gerações, uma vez que, destruídas as suas possibilidades de acesso a benefícios, não haverá que se preocupar com eventual situação deficitária.

Enfim, encontrou-se a fórmula para o suposto déficit da Previdência: basta dar um remédio que mate o paciente.

*Professor de direito previdenciário da USP (Universidade de São Paulo)

PSOL denuncia Bolsonaro por crime de responsabilidade: R$ 444 milhões em emendas sem autorização legislativa

Por PSOL Nacional

Originalmente publicado por Esquerda Online, em 9 de julho de 2019

A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados descobriu que o governo Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade na liberação de emendas, no afã de comprar votos de deputados para aprovar a Reforma da Previdência.

No Diário Oficial desta segunda-feira (8), o governo liberou mais de R$ 1 bilhão em emendas. Desse valor, R$ 444.513.894 não têm autorização legislativa, o que é irregular e pode ser enquadrado em crime de responsabilidade.

Inicialmente, o PSOL havia divulgado que o valor ilegal era de apenas R$ 93 milhões. Porém, após análise minuciosa das diversas portarias do Diário Oficial, chegou-se no novo número. No plenário da Casa, o líder do PSOL, Ivan Valente, anunciou que o partido vai tomar medidas jurídicas contra isso.

Entenda o caso

Despesas públicas dependem de autorização expressa do legislativo, e isso acontece por meio da Lei Orçamentária. Dentro dela temos emendas de bancada, individuais e de comissão. Assim, o governo pode executar uma emenda na sua totalidade, mas não pode extrapolar o valor autorizado pelo legislativo. Isso é crime.

O caso aconteceu na edição extra do Diário Oficial de segunda-feira (8), que trouxe centenas de liberação de recursos, a maioria na área da saúde, como “estímulo” para os deputados votarem a favor da Reforma da Previdência.

A Comissão de Seguridade Social havia aprovado duas emendas, números 50210003 e 50210004, nos valores de R$ 602 milhões e R$ 2 milhões, respectivamente. No entanto, foram liberados pelo governo R$ 652.629.444,00 e R$ 395.884.450,00 pelas mesmas emendas, respectivamente. Ou seja, o governo autorizou o empenho de mais de R$ 444 milhões sem autorização legislativa.

O caso configura crime de responsabilidade. Fere o Art. 142 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): “A execução da Lei Orçamentária de 2019 e dos créditos adicionais obedecerá aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na administração pública federal, não podendo ser utilizada para influir na apreciação de proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional”.

Previdência: o voto de cada deputado

Por Edson Sardinha

Originalmente publicado por Congresso em Foco, em 10/7/2019

Por 379 votos a 131 o plenário da Câmara aprovou, em primeiro turno, o texto-base da reforma da Previdência nesta quarta-feira (10). A aprovação se deu por margem folgada, já que eram necessários 308 votos, e foi comemorada pelos parlamentares favoráveis à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, que levaram bandeiras do Brasil para o plenário.

Agora, os deputados partem para as próximas etapas da tramitação da PEC. Nesta quinta-feira (11), serão analisados os destaques que podem modificar trechos da proposta. Depois, a reforma precisa ser aprovada em segundo turno antes de seguir para o Senado. A expectativa é que essa votação ocorra na sexta-feira (12).

A lista abaixo segue a ordem obedecida pela Secretaria-Geral da Mesa da Câmara. Os estados estão agrupados por região, começando pelo Norte e terminando pelo Sul. Para ver os votos por partido, clique aqui.

Veja como cada deputado votou no primeiro turno da reforma da Previdência:

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Câmara aprova texto-base da reforma da Previdência

Por Gabriel Garcia

Originalmente publicado por Congresso em Foco, em 10/7/2019

A Câmara aprovou por 379 votos a 131, nesta quarta-feira (10), o texto-base da reforma da Previdência, após dois dias de debates no plenário. Por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 06/2019), eram necessários os votos de 308 dos 513 deputados federais. Na sequência, o plenário analisa destaques que sugerem alterações no texto aprovado. Após a conclusão, a reforma será submetida a uma segunda votação na Câmara, antes de seguir para o Senado Federal, onde precisará de 49 votos em dois turnos.

O texto aprovado cria uma idade mínima de aposentadoria: 62 anos para mulheres e 65 para homens. O tempo mínimo de contribuição será de 20 anos para homens e de 15 anos para mulheres. Para os servidores, o tempo de contribuição será de 25 anos.

A aposentadoria será calculada com base na média do histórico de contribuições do trabalhador, sem descartar as 20% mais baixas, como acontece atualmente. Passados 20 anos de contribuição, para o regime geral, o trabalhador privado terá direito a 60% do valor do benefício integral. Haverá acréscimo de 2 pontos percentuais para cada ano a mais de contribuição. Assim, o empregado terá 100% do benefício com 40 anos de contribuição. Quem se aposentar pelas regras de transição, terá o teto de 100%.

Quem se aposentar já pela regra permanente não terá o teto, podendo receber mais de 100% do benefício integral, se contribuir por mais de 40 anos. O valor, no entanto, não poderá ser superior ao teto (hoje em R$ 5.839,45), nem inferior a um salário mínimo. Professores, policiais federais, agentes penitenciários e educativos terão regras diferenciadas.

A votação na Câmara foi marcada por polêmicas entre a oposição e governo e manifestações contrárias ao texto aprovado.

Na busca por votos, o governo afagou o chamado centrão, grupo informal capitaneado por PP, PRB, PSD, Solidariedade e PL, motivo pelo qual correu para liberar R$ 2,5 bilhões em emendas parlamentares nos últimos cinco dias. Somente no Diário Oficial da União de segunda-feira (8), foi liberado mais de R$ 1 bilhão, o que levou o PT a anunciar uma representação por improbidade administrativa contra o presidente Jair Bolsonaro. Além disso, exonerou todos os deputados licenciados para exercer o cargo de ministros. Após votar sim na reforma da Previdência, eles reassumirão os seus cargos.

Apesar de ter quórum e apoio dos deputados para votar os destaques apresentados ao texto ainda nesta quarta-feira (10), Rodrigo Maia preferiu encerrar a sessão logo após a votação do primeiro destaque, que manteve os professores na reforma da Previdência. As outras propostas de mudança ao texto serão votadas, então, nesta quinta-feira (11).

Veja como ficaram os pontos principais da reforma:

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BPC, capitalização: 9 pontos da Nova Previdência que podem ir à Justiça

Thâmara Kaoru
Do UOL, em São Paulo

Originalmente publicado em 2 de maio de 2019 por Portal UOL

A reforma da Previdência foi considerada constitucional pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, mas alguns pontos ainda podem ser alvos de discussões na Justiça, segundo especialistas, caso a proposta do governo seja aprovada sem alterações.

O UOL conversou com Ivandick Cruzelles, professor de Direito Previdenciário da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Adriane Bramante, advogada e presidente do IBDP Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), e o advogado previdenciário Rômulo Saraiva, para listar alguns temas da proposta que podem acabar na Justiça. Confira:

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44 coisas que você precisa saber sobre a reforma da Previdência

Documento elaborado pelo economista Eduardo Moreira, com colaboração de Eduardo Fagnani e Paulo Kliass. Faça o download clicando aqui.

Notas para uma crítica à PEC da Previdência (Projeto de Emenda à Constituição Nº 06/2019)

Rogério Viola Coelho

Publicado originalmente por DMT Em Debate, em 14 de abril 2019

 

I – O DIREITO FUNDAMENTAL DOS TRABALHADORES À PREVIDÊNCIA SOCIAL

1.1direito à previdência foi consagrado pelo poder constituinte como um direito fundamental a prestações, concretizado para os trabalhadores da esfera privada com a instituição da Previdência Social e do Regime Geral no capítulo da seguridade social, e para os trabalhadores do Estado com a instituição dos Regimes próprios dos entes federados, no capitulo da Administração Pública. E em ambos os regimes o poder constituinte optou por benefícios definidos; é dizer, os benefícios têm valor determinado em função do salário de contribuição, ficando assegurados ao universo dos trabalhadores privados e ao universo dos trabalhadores do Estado. Em ambos os regimes foi agregada a garantia de seu reajustamento periódico “para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real”.

A Constituição deu destaque ao direito à aposentadoria, instituindo várias modalidades, para assegurar uma sobrevivência digna ao trabalhador ao esmorecer a sua força de trabalho. Considerou, certamente, que os proventos de aposentadoria tem a mesma natureza do salário. Se este, sendo destinado a produção e reprodução da força de trabalho, é atribuído à pessoa do trabalhador garantindo sua manutenção, a aposentadoria deve lhe assegurar a continuidade do direito à vida, em face do trabalho já prestado a sociedade.

Além disto, o constituinte assegurou o financiamento compartilhado dos benefícios, imputando obrigações fundamentais (a) às empresas e aos empregadores, beneficiários diretos do trabalho prestado ao longo da vida profissional; (b) à toda a sociedade, beneficiária mediata do trabalho (através dos tributos pagos); (c) aos entes federados e ao próprio trabalhador¹. E no artigo 40, o constituinte originário assegurou ao servidor público regime de previdência de caráter contributivo e solidário, atribuindo a obrigação correspondente a este direito ao ente público tomador do trabalho e ao próprio servidor. As obrigações fundamentaisinstituídas pelo constituinte para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais à previdência são uma concretização do princípio da solidariedade, consagrado entre os objetivos fundamentais da República. Este o sentido maior da afirmação de que os regimes de previdência instituídos são solidários.

1.2. Todas as garantias institucionais foram positivadas no topo do ordenamento pelo constituinte para que o direito fundamental ficasse fora do alcance da vontade das maiorias eventuais, expressa pelos poderes constituídos.  Somente por emenda constitucional poderiam ser modificados, ainda assim sem que a vontade da maioria qualificada exigida (de 3/5 com duas votações em ambas as casas) tenha discricionariedade ilimitada. Daí o propósito do governo, ao projetar em duas etapas a reforma da previdência – primeiro remete o ajuste dos dois regimes para o legislador complementar, autorizando também os poderes constituídos a instituir o novo regime de previdência social com base no sistema de capitalização individual. Nos pronunciamentos ministeriais e nas falas dos agentes autorizados de sua base ficou claro que o governo visava contornar a dificuldade de sua aprovação.

Previdência Social e o Regime Geral, ou os Regimes próprios, são consideradas garantias institucionais porque foram positivadas pelo poder constituinte no topo do ordenamento, com o propósito de guarnecer os direitos fundamentais dos trabalhadores à previdência. Assim sendo, a sua retirada da Constituição, com atribuição aos poderes constituídos de competência para reescrevê-los com ampla discricionariedade, corresponde a uma abolição de tais garantias institucionais, sendo garantias institucionais que correspondem a direitos fundamentais, tem o estatuto de garantias fundamentais. Assim sendo, a retirada do Regime Geral e dos Regimes Próprios da Constituição afronta o disposto no § 4º, inciso IV, do artigo 60 da CF, que veda a deliberação de emenda tendente a abolir essas garantias.

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