Autor(es): Luciano Máximo , de São Paulo e Santo André
Valor Econômico – 01/03/2010

O Brasil vive momento paradoxal e emblemático na educação superior. Sonho de muitos jovens, o acesso à universidade, pública ou privada, é um dos mais expressivos da história. Entre 2003 e 2008, o número de estudantes cresceu 30%, superando a faixa dos 5 milhões, e as vagas aumentaram 50%, oferta que representa quase 3 milhões de novos lugares nos bancos universitários a cada novo ano.

Dentro da oferta total de vagas, no âmbito federal está em curso um ambicioso projeto de reestruturação e expansão do ensino superior, com um misto de inaugurações e ampliações que resultaram em 13 novas instituições, intensa interiorização de campi universitários, criação de mais cursos, contratações de dezenas de milhares de professores e funcionários e uma consequente elevação na taxa de matrículas.

Em meio às boas notícias, porém, o crescimento sustentado da educação superior brasileira esbarra nos gargalos do ensino médio, que não forma jovens suficientes para preencher a oferta em alta do terceiro grau. De acordo com os dados mais atuais dos censos escolares do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mais de 1,7 milhão de jovens concluíram o ensino médio em 2007. Ao saírem da escola, 2,9 milhões de vagas estavam sendo oferecidas no ensino superior para ingresso no início de 2008.

O retrospecto de conclusão do ensino médio – praticamente estagnado em relação ao forte ritmo de aumento de oportunidades no próximo nível – acaba sendo, assim, um dos principais fatores para a causa de um efeito perverso na expansão do ensino universitário: a explosão de vagas sem preenchimento.

De 2003 a 2008, o ensino superior amargou alta de 99% das vagas ociosas, chegando a 1,479 milhão. As universidades federais são responsáveis por uma ínfima parte dessa ociosidade, mas ela cresceu 500% – as vagas não preenchidas subiram de 893 em 2003 para 5.364 há dois anos. O grosso da evolução está no setor privado, com 1,442 milhão de vagas ociosas registradas em 2008 – crescimento de 98% em seis anos. Nas universidades e faculdades estaduais a curva é menos acentuada: as oportunidades desperdiçadas passaram de 3.085 para 4.372, elevação de 41% no período. “Para conclusões mais apropriadas, é necessário análise detalhada dos dados sobre a oferta por curso, turno, modalidade de ensino. Além disso, é possível realizar comparação profícua entre esses dados e informações sobre o mercado de trabalho, provenientes de outras pesquisas realizadas pelo IBGE e pelo Ministério do Trabalho”, justifica resumo técnico do Inep.

O desequilíbrio oferta-demanda também pode ser explicado por problemas de infraestrutura nas novas federais, desistência de matrículas, horários conflitantes, baixa procura por determinados cursos e, sobretudo, excesso proposital de vagas ofertadas por instituições de ensino superior particulares. “As privadas estão mais ajustadas à dinâmica da oferta e da demanda. Tirando as PUCs [Pontifícia Universidade Católica] e algumas tradicionais, as faculdades privadas já se registram no Ministério da Educação com capacidade maior e acertam as vagas conforme o movimento da tesouraria”, opina João Monlevade, consultor legislativo do Senado e doutor em políticas educacionais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O ministro da Educação, Fernando Haddad, acrescenta que a postura de muitas privadas “é uma espécie de ilusão estatística”. Segundo ele, nos editais de oferta as instituições particulares superestimam a demanda para não sofrer constrangimento no momento da matrícula e para demonstrar alta capacidade de potencial de atendimento perante o MEC. “Elas recebem autorização para ofertar 200 vagas para um determinado curso que todo ano tem 100 matrículas. É uma virtualidade que não ajuda a explicar a expansão, um dado que sequer é publicado em outros países, uma excentricidade brasileira”, complementa Haddad.

A justificativa, entretanto, não é plausível para as universidades públicas, que apresentam uma média superior a oito candidatos disputando uma única vaga. Para atender a essa demanda, a partir de 2005, o Ministério da Educação intensificou políticas governamentais de expansão da rede federal, que resultaram no aumento superior a 30% nas vagas ofertadas. Estas políticas, contudo, também repercutiram na aceleração, em ritmo mais forte, das vagas ociosas.

Inaugurada em setembro de 2006 e ainda em construção, a Universidade Federal do ABC (UFABC), localizada em Santo André, enfrentou um índice de evasão de 42% no primeiro ano de funcionamento por causa de problemas de infraestrutura. “A primeira turma foi muito castigada. Sempre soubemos que no início a universidade teria que avançar com gargalos, como conciliar obras com atividade acadêmica”, explica Helio Waldman, reitor da UFABC. Atualmente, a evasão é menor, na casa dos 12%, e a universidade foi a mais procurada no vestibular deste ano, com mais de 19 mil inscrições para 1,7 mil vagas disponíveis. A universidade foi uma das que adotou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como único instrumento de seleção dos estudantes para o ingresso em 2010.

Fernando Haddad reconhece as dificuldades que o governo está enfrentando. “Só com expansão universitária administramos hoje obras em 104 cidades e bilhões em recursos. Apesar das dificuldades orçamentárias e operacionais, apostamos na interiorização das universidades e da educação profissional, um processo complexo que pode ajudar a trazer muitos benefícios no médio e longo prazos”, prevê o ministro.

A secretária de ensino superior do MEC, Maria Paula Dallari Bucci, minimiza o aumento das vagas ociosas nas universidades federais. “Representam apenas 0,36% da ociosidade geral”, argumenta. Como parte do plano de ampliação do acesso ao terceiro grau no país, ela explica que existe um alinhamento entre ensino médio e superior, como forma de equacionar problemas de acesso às universidades e de qualidade da educação básica. “A primeira política importante é permitir a formação universitária e continuada dos professores da rede pública. As outras são o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e o SiSU [Sistema de Seleção Unificada], definidos para permitir que se fale a mesma língua entre ensino médio e superior, além do ProUni”, diz Maria Paula.

Na UFABC, essa conexão será traduzida em nova oferta de vagas para a educação básica, com a criação de uma escola de ensino médio a ser administrada pela própria universidade. Dentro de um programa de bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), alunos de licenciatura participam atualmente de atividades pedagógicas em colégios do ABC, com o objetivo de ajudar na formação de professores e atrair alunos para a universidade. “Até 2014, isso pode resultar na abertura de um colégio de aplicação de nível médio dentro da universidade, o que irá possibilitar a abertura de estágios para nossos estudantes, focando pesquisa sobre o ensino básico de ciências, e oferecer vagas gratuitas a alunos da rede pública em uma escola de nível médio qualificada em pleno ambiente universitário”, destaca Waldman, reitor da UFABC.